terça-feira, 3 de março de 2015

Uso de animais em meios acadêmicos, testes e pesquisas: até que ponto é necessário?

Desde os primórdios da Ciência, os homens utilizam animais ditos irracionais em laboratórios de pesquisa ou meios acadêmicos a fim de entender organismos, descobrir doenças e possíveis curas, trazer avanços científicos ou medicinais, e realizar feitos em benefício da espécie humana. Atualmente há um debate ético e de grande importância a respeito dos métodos convencionais ainda utilizados para atingir tais avanços. Como ingressante no curso de Medicina Veterinária e ciente das possíveis situações as quais presenciarei, possuo uma opinião ainda em formação sobre o assunto, visto que não tenho bagagem acadêmica e experiências na área. Não sei se na minha universidade há a prática da vivissecção, e possuo um certo receio caso tenha que me submeter a tal prática nas aulas. Mas o objetivo desse texto, além de expressar minha opinião sobre o assunto e criticar certos métodos, é desmistificar um pouco o uso de animais em pesquisas, apontando os prós e contras desta prática que causa tanta revolta em grande parte das pessoas.
                Sendo amante dos animais e defensora dos avanços científicos, encontro-me em uma situação contraditória. Por um lado, sou contra ao sofrimento dos que não podem falar e que, isentos do livre arbítrio, são submetidos a procedimentos sem ter o direito de escolha. Por outro lado, sou a favor das maravilhas descobertas pela Ciência que têm salvado tantas vidas. A questão central é qual o objetivo final para a utilização de animais em testes. Por exemplo, eu particularmente sou contra testes com fins estéticos, ou seja, para a fabricação de cosméticos. Mas sou a favor de testes com objetivos medicinais, isto é, para a fabricação de remédios. Com relação às aulas práticas, sou veementemente contra, mas ressalto que ainda não comecei a estudar e posso vir a mudar de opinião.
                Deixando de lado um pouco as minhas considerações pessoais, é importante esclarecer alguns pontos. O principal argumento dos que são contra aos testes (em qualquer situação) é o de que existem métodos alternativos que podem substituir os convencionais. Bom, se tratando do uso didático, essa premissa está certa. É comprovado que alunos que participam de aulas utilizando métodos alternativos possuem rendimento equivalente –e até melhor, em alguns casos- aos que estudam com métodos tradicionais. Na lista dos alternativos se encontram simuladores computacionais, bonecos, filmes e vídeos interativos, materiais em 3D, estudo anatômico em animais mortos de causa natural etc. Acontece que há fatores que impedem essas inovações de chegarem às instituições de ensino. Podemos resumir em três fatores principais. O primeiro deles é o alto custo, pois tais tecnologias demandam investimentos financeiros que muitas universidades não estão dispostas a fazer, apesar de possuírem um bom custo-benefício, pois são métodos permanentes e não “descartáveis”, como no caso dos seres vivos. O segundo fator é a resistência dos professores, visto que muitos não consideram a eficácia dos métodos alternativos como algo verídico. Há um certo preconceito por parte dos docentes em relação à essa atualização na didática. E o terceiro fator, que considero o mais preocupante, é a rejeição por parte de alunos. Muitos discentes afirmam, mesmo sem ter experimentado, que os métodos alternativos não os tornarão profissionais competentes no futuro. O mais irônico nesse caso é que, tanto os professores como os alunos dos cursos que “necessitam” de animais em aulas práticas (Biologia, Medicina, Medicina Veterinária etc), possuem um compromisso ético com estes. Principalmente no curso de Medicina Veterinária, onde são pregados valores e princípios voltados à causa animal, acho incoerente utilizar o sofrimento dos bichanos sendo que há métodos substitutivos que evitam dores e mortes em vão. A utilização de animais em aulas práticas não contribui em nada para o avanço científico e descobertas, pois tudo o que é ensinado já foi comprovado antes e não tem a necessidade de ser repetido para que alunos compreendam. Ademais, os métodos alternativos apresentam a vantagem de o aluno repetir a prática quantas vezes quiser. Já a vivissecção, ou seja, a dissecação de um animal vivo com fins educacionais, não possibilita essa vantagem de repetição da prática, além de, como já dito, não contribuir em avanços científicos. O método da vivissecção atualmente divide a sociedade em segmentos distintos: os abolicionistas, que não admitem o uso de animais em qualquer circunstância e tentam abolir totalmente a prática; os vivisseccionistas, que defendem o oposto dos abolicionistas, ou seja, acham que o uso de animais é imprescindível no avanço da ciência e da educação; e há os defensores do programa dos 3Rs (explico no 5º parágrafo), que é o meu caso.
                Como dito, os métodos alternativos são muito eficazes no meio acadêmico. Porém, nos testes farmacológicos e nas pesquisas científicas, o uso de animais ainda é essencial. Nesses casos, há os que defendem o uso de tecidos manipulados in vitro. Essa é, sem dúvida, uma alternativa viável, mas não é 100% eficaz. Ora, há medicamentos que precisam ser testados em organismos vivos, visto que a droga pode ser eficaz num determinado tecido mas pode prejudicar outros órgãos. Dessa forma, organismos complexos são necessários e ainda não há métodos que possam substituí-los. Surge então o argumento de que o organismo de um roedor não é igual ao organismo humano. E não é, de fato. Porém, os roedores são da classe dos mamíferos, a mesma dos humanos. Em nível taxonômico, se aproximam bastante de nós, inclusive suas funções e órgãos vitais. Além disso, vale ressaltar que hoje há a manipulação genética de roedores, ou seja, os camundongos (espécie mais utilizada em testes e pesquisas) são desenvolvidos especialmente para serem cobaias. Os geneticistas produzem linhagens específicas para determinado teste ou pesquisa, a fim de aproximar dos humanos ao máximo os órgãos e funções vitais das linhagens de roedores produzidas. Além da semelhança entre a nossa espécie e a dos camundongos, o tempo de vida média deles é de 2 a 3 anos, e por isso é mais prático e ético testar nos roedores. A partir dessa premissa, aparecem os que defendem que a vida tem igual valor para todas as espécies. Tenho de concordar que a vida não se coloca em uma balança que determina qual animal é mais valioso. Porém, os medicamentos que auxiliam os humanos e salvam vidas precisam continuar sendo fabricados, e a lei determina que os testes são proibidos em humanos, mesmo que estes sejam voluntários. Quando você tem dor, você toma um analgésico que foi testado em algum animal antes de chegar até você. Quando você está com alguma bactéria, um antibiótico que já foi testado em animais as elimina e pode até salvar a sua vida. Os diabéticos só possuem injeções de insulina porque animais foram submetidos a testes. E é assim que a ciência avança. Claro que existem erros, e no final quem acabam sendo as cobaias são os primeiros humanos que compram determinado medicamento recém chegado nas farmácias. Mas esses números são insignificantes diante do número de seres humanos que seriam prejudicados caso os testes passassem a ser feitos diretamente em nossa espécie.
                Vale lembrar que os animais utilizados nos testes e nas pesquisas são em sua maioria roedores, principalmente camundongos. Apenas 1% é composto por cães, gatos e primatas não-humanos. Além disso, os animais que vivem em biotério são extremamente bem cuidados. Possuem temperatura adequada, conforto e alimentação balanceada de primeira qualidade. Até porque, qualquer alteração nesse meio ou desconforto ao animal pode afetar o desenvolvimento da pesquisa. Ressalto também que os cientistas sempre buscam minimizar ao máximo o sofrimento do animal. Para tal, assim como na ecologia, a política de testes em animais possui o programa dos 3Rs, que basicamente visa três objetivos: Redução (Reduction), Refinamento (Refinement) e Substituição (Replacement). O primeiro busca a redução de animais em pesquisas, ou seja, toda e qualquer pesquisa que necessite de animais precisa passar por um Comitê de Ética que avalia a quantidade necessária de animais para a realização da mesma. Dessa forma, se o cientista pede um número X de animais, o comitê pode tanto aprovar quanto reprovar o pedido, sendo que no último caso indica-se a quantidade correta e NECESSÁRIA, obrigando o pesquisador a cumprir a norma. Já o segundo (Refinamento), busca melhorar as condições e métodos de estudo, diminuindo o possível sofrimento causado ao animal. E por último, o terceiro (Substituição) busca métodos alternativos sempre que possível, para enfim, alcançar a meta máxima de substituição total dos animais. Esse programa dos 3Rs é amplamente divulgado e presente em pesquisas. Portanto, ao contrário do que é muito estereotipado, o bem estar animal é fundamental em pesquisas e estas não devem ser vistas como algo retrógrado pela sociedade. Defender os 3Rs, na minha opinião, é a atitude mais sensata atualmente.
                Não vou fechar meus olhos para a realidade e fingir que não existe clandestinidade nesta área, afinal, a utopia sempre tem de ser controlada. Existem sim laboratórios clandestinos que utilizam animais indiscriminadamente, sem controle legal e ético, que maltratam animais e se posicionam inertes ao sofrimento. Mas, felizmente, são minoria. As pesquisas sérias de medicamentos atendem às normas legais e ao programa dos 3Rs.
                Se tratando da indústria de cosméticos, a história muda. Se na fabricação de medicamentos o uso de animais é imprescindível, na de cosméticos se torna fútil e supérflua. Não vou ser hipócrita e dizer que é necessária uma interrupção na produção de cosméticos, porque eu utilizo alguns produtos e muitos são úteis para o bem estar do ser humano, como filtros solares, desodorantes, perfumes etc. A problemática consiste na quantidade de futilidades produzidas. Todo ano milhares de novas cores de esmaltes e batons são lançadas, milhares de marcas surgem produzindo produtos novos para competir com as concorrentes e precisam testar tais produtos antes de lançar no mercado. Todo ano milhares de cremes com fragrâncias diferentes são lançados, milhares de novas linhas de cremes rejuvenescedores são produzidos. Muitas marcas surgem, e dentro dessas marcas, muitas variações. Será mesmo que essa quantidade absurda de cosméticos é necessária para uma boa qualidade de vida? Já não é suficiente a infinidade de cores de batons e esmaltes que há por aí, a imensidão de fragrâncias que existem, a abundância de marcas existentes mundo afora? Precisa mesmo de mais? Essa é a questão. A futilidade a que me refiro nada mais é do que a grande quantidade desnecessária de cosméticos novos sendo lançados. Nunca vi um batom salvar vidas. Mas já vi um coelho perdendo a visão por conta de um batom. O problema não é testar algo em animais, e sim o motivo pelo qual se testa.

                Em suma, me posiciono a favor do programa dos 3Rs, contra ao uso de animais em meio acadêmico, e crítica a respeito da fabricação de cosméticos, sendo que abomino os testes na indústria da beleza para finalidades fúteis. Apresentei aqui argumentos que dão consistência à minha opinião e que, no meu ponto de vista, são os mais racionais possíveis nas condições atuais. Lembrando, é claro, que posso mudar minhas perspectivas de vida ao longo do tempo. Sou a prova viva de que é possível conciliar o amor pelos animais e a defesa da Ciência.


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