Desde os primórdios da Ciência, os homens utilizam animais ditos
irracionais em laboratórios de pesquisa ou meios acadêmicos a fim de entender
organismos, descobrir doenças e possíveis curas, trazer avanços científicos ou
medicinais, e realizar feitos em benefício da espécie humana. Atualmente há um
debate ético e de grande importância a respeito dos métodos convencionais ainda
utilizados para atingir tais avanços. Como ingressante no curso de Medicina
Veterinária e ciente das possíveis situações as quais presenciarei, possuo uma
opinião ainda em formação sobre o assunto, visto que não tenho bagagem
acadêmica e experiências na área. Não sei se na minha universidade há a prática
da vivissecção, e possuo um certo receio caso tenha que me submeter a tal
prática nas aulas. Mas o objetivo desse texto, além de expressar minha opinião
sobre o assunto e criticar certos métodos, é desmistificar um pouco o uso de
animais em pesquisas, apontando os prós e contras desta prática que causa tanta
revolta em grande parte das pessoas.
Sendo amante dos
animais e defensora dos avanços científicos, encontro-me em uma situação
contraditória. Por um lado, sou contra ao sofrimento dos que não podem falar e
que, isentos do livre arbítrio, são submetidos a procedimentos sem ter o
direito de escolha. Por outro lado, sou a favor das maravilhas descobertas pela
Ciência que têm salvado tantas vidas. A questão central é qual o objetivo final
para a utilização de animais em testes. Por exemplo, eu particularmente sou
contra testes com fins estéticos, ou seja, para a fabricação de cosméticos. Mas
sou a favor de testes com objetivos medicinais, isto é, para a fabricação de
remédios. Com relação às aulas práticas, sou veementemente contra, mas ressalto
que ainda não comecei a estudar e posso vir a mudar de opinião.
Deixando de lado um
pouco as minhas considerações pessoais, é importante esclarecer alguns pontos. O
principal argumento dos que são contra aos testes (em qualquer situação) é o de
que existem métodos alternativos que podem substituir os convencionais. Bom, se
tratando do uso didático, essa premissa está certa. É comprovado que alunos que
participam de aulas utilizando métodos alternativos possuem rendimento
equivalente –e até melhor, em alguns casos- aos que estudam com métodos
tradicionais. Na lista dos alternativos se encontram simuladores
computacionais, bonecos, filmes e vídeos interativos, materiais em 3D, estudo
anatômico em animais mortos de causa natural etc. Acontece que há fatores que
impedem essas inovações de chegarem às instituições de ensino. Podemos resumir
em três fatores principais. O primeiro deles é o alto custo, pois tais
tecnologias demandam investimentos financeiros que muitas universidades não
estão dispostas a fazer, apesar de possuírem um bom custo-benefício, pois são
métodos permanentes e não “descartáveis”, como no caso dos seres vivos. O
segundo fator é a resistência dos professores, visto que muitos não consideram
a eficácia dos métodos alternativos como algo verídico. Há um certo preconceito
por parte dos docentes em relação à essa atualização na didática. E o terceiro
fator, que considero o mais preocupante, é a rejeição por parte de alunos.
Muitos discentes afirmam, mesmo sem ter experimentado, que os métodos
alternativos não os tornarão profissionais competentes no futuro. O mais
irônico nesse caso é que, tanto os professores como os alunos dos cursos que
“necessitam” de animais em aulas práticas (Biologia, Medicina, Medicina
Veterinária etc), possuem um compromisso ético com estes. Principalmente no
curso de Medicina Veterinária, onde são pregados valores e princípios voltados
à causa animal, acho incoerente utilizar o sofrimento dos bichanos sendo que há
métodos substitutivos que evitam dores e mortes em vão. A utilização de animais
em aulas práticas não contribui em nada para o avanço científico e descobertas,
pois tudo o que é ensinado já foi comprovado antes e não tem a necessidade de
ser repetido para que alunos compreendam. Ademais, os métodos alternativos
apresentam a vantagem de o aluno repetir a prática quantas vezes quiser. Já a
vivissecção, ou seja, a dissecação de um animal vivo com fins educacionais, não
possibilita essa vantagem de repetição da prática, além de, como já dito, não
contribuir em avanços científicos. O método da vivissecção atualmente divide a
sociedade em segmentos distintos: os abolicionistas, que não admitem o uso de
animais em qualquer circunstância e tentam abolir totalmente a prática; os
vivisseccionistas, que defendem o oposto dos abolicionistas, ou seja, acham que
o uso de animais é imprescindível no avanço da ciência e da educação; e há os
defensores do programa dos 3Rs (explico no 5º parágrafo), que é o meu caso.
Como dito, os
métodos alternativos são muito eficazes no meio acadêmico. Porém, nos testes
farmacológicos e nas pesquisas científicas, o uso de animais ainda é essencial.
Nesses casos, há os que defendem o uso de tecidos manipulados in vitro. Essa é,
sem dúvida, uma alternativa viável, mas não é 100% eficaz. Ora, há medicamentos
que precisam ser testados em organismos vivos, visto que a droga pode ser
eficaz num determinado tecido mas pode prejudicar outros órgãos. Dessa forma,
organismos complexos são necessários e ainda não há métodos que possam
substituí-los. Surge então o argumento de que o organismo de um roedor não é
igual ao organismo humano. E não é, de fato. Porém, os roedores são da classe
dos mamíferos, a mesma dos humanos. Em nível taxonômico, se aproximam bastante
de nós, inclusive suas funções e órgãos vitais. Além disso, vale ressaltar que
hoje há a manipulação genética de roedores, ou seja, os camundongos (espécie
mais utilizada em testes e pesquisas) são desenvolvidos especialmente para
serem cobaias. Os geneticistas produzem linhagens específicas para determinado
teste ou pesquisa, a fim de aproximar dos humanos ao máximo os órgãos e funções
vitais das linhagens de roedores produzidas. Além da semelhança entre a nossa
espécie e a dos camundongos, o tempo de vida média deles é de 2 a 3 anos, e por
isso é mais prático e ético testar nos roedores. A partir dessa premissa,
aparecem os que defendem que a vida tem igual valor para todas as espécies.
Tenho de concordar que a vida não se coloca em uma balança que determina qual
animal é mais valioso. Porém, os medicamentos que auxiliam os humanos e salvam
vidas precisam continuar sendo fabricados, e a lei determina que os testes são
proibidos em humanos, mesmo que estes sejam voluntários. Quando você tem dor,
você toma um analgésico que foi testado em algum animal antes de chegar até
você. Quando você está com alguma bactéria, um antibiótico que já foi testado
em animais as elimina e pode até salvar a sua vida. Os diabéticos só possuem
injeções de insulina porque animais foram submetidos a testes. E é assim que a
ciência avança. Claro que existem erros, e no final quem acabam sendo as
cobaias são os primeiros humanos que compram determinado medicamento recém chegado
nas farmácias. Mas esses números são insignificantes diante do número de seres
humanos que seriam prejudicados caso os testes passassem a ser feitos diretamente
em nossa espécie.
Vale lembrar que os
animais utilizados nos testes e nas pesquisas são em sua maioria roedores,
principalmente camundongos. Apenas 1% é composto por cães, gatos e primatas
não-humanos. Além disso, os animais que vivem em biotério são extremamente bem
cuidados. Possuem temperatura adequada, conforto e alimentação balanceada de
primeira qualidade. Até porque, qualquer alteração nesse meio ou desconforto ao
animal pode afetar o desenvolvimento da pesquisa. Ressalto também que os
cientistas sempre buscam minimizar ao máximo o sofrimento do animal. Para tal,
assim como na ecologia, a política de testes em animais possui o programa dos
3Rs, que basicamente visa três objetivos: Redução (Reduction), Refinamento (Refinement)
e Substituição (Replacement). O
primeiro busca a redução de animais em pesquisas, ou seja, toda e qualquer
pesquisa que necessite de animais precisa passar por um Comitê de Ética que
avalia a quantidade necessária de animais para a realização da mesma. Dessa
forma, se o cientista pede um número X de animais, o comitê pode tanto aprovar
quanto reprovar o pedido, sendo que no último caso indica-se a quantidade
correta e NECESSÁRIA, obrigando o pesquisador a cumprir a norma. Já o segundo
(Refinamento), busca melhorar as condições e métodos de estudo, diminuindo o
possível sofrimento causado ao animal. E por último, o terceiro (Substituição)
busca métodos alternativos sempre que possível, para enfim, alcançar a meta
máxima de substituição total dos animais. Esse programa dos 3Rs é amplamente
divulgado e presente em pesquisas. Portanto, ao contrário do que é muito
estereotipado, o bem estar animal é fundamental em pesquisas e estas não devem
ser vistas como algo retrógrado pela sociedade. Defender os 3Rs, na minha
opinião, é a atitude mais sensata atualmente.
Não vou fechar meus
olhos para a realidade e fingir que não existe clandestinidade nesta área,
afinal, a utopia sempre tem de ser controlada. Existem sim laboratórios
clandestinos que utilizam animais indiscriminadamente, sem controle legal e
ético, que maltratam animais e se posicionam inertes ao sofrimento. Mas,
felizmente, são minoria. As pesquisas sérias de medicamentos atendem às normas
legais e ao programa dos 3Rs.
Se tratando da
indústria de cosméticos, a história muda. Se na fabricação de medicamentos o
uso de animais é imprescindível, na de cosméticos se torna fútil e supérflua.
Não vou ser hipócrita e dizer que é necessária uma interrupção na produção de
cosméticos, porque eu utilizo alguns produtos e muitos são úteis para o bem
estar do ser humano, como filtros solares, desodorantes, perfumes etc. A
problemática consiste na quantidade de futilidades produzidas. Todo ano
milhares de novas cores de esmaltes e batons são lançadas, milhares de marcas
surgem produzindo produtos novos para competir com as concorrentes e precisam
testar tais produtos antes de lançar no mercado. Todo ano milhares de cremes
com fragrâncias diferentes são lançados, milhares de novas linhas de cremes rejuvenescedores
são produzidos. Muitas marcas surgem, e dentro dessas marcas, muitas variações.
Será mesmo que essa quantidade absurda de cosméticos é necessária para uma boa
qualidade de vida? Já não é suficiente a infinidade de cores de batons e
esmaltes que há por aí, a imensidão de fragrâncias que existem, a abundância de
marcas existentes mundo afora? Precisa mesmo de mais? Essa é a questão. A
futilidade a que me refiro nada mais é do que a grande quantidade desnecessária
de cosméticos novos sendo lançados. Nunca vi um batom salvar vidas. Mas já vi
um coelho perdendo a visão por conta de um batom. O problema não é testar algo em
animais, e sim o motivo pelo qual se testa.
Em suma, me
posiciono a favor do programa dos 3Rs, contra ao uso de animais em meio
acadêmico, e crítica a respeito da fabricação de cosméticos, sendo que abomino
os testes na indústria da beleza para finalidades fúteis. Apresentei aqui
argumentos que dão consistência à minha opinião e que, no meu ponto de vista,
são os mais racionais possíveis nas condições atuais. Lembrando, é claro, que
posso mudar minhas perspectivas de vida ao longo do tempo. Sou a prova viva de
que é possível conciliar o amor pelos animais e a defesa da Ciência.
Referências:
Pesquisa: Animais em aulas práticas: Podemos substituí-los com a mesma qualidade de ensino?
Editorial: Aspectos éticos da pesquisa com animais
Vídeos: Por que (ainda) precisamos fazer testes científicos com animais?
Fantástico - Pesquisas com animais é crueldade ou não?
Pesquisas com animais: Quebrando mitos
Testes em animais: um adendo
Cientistas se dividem sobre uso de animais em testes
Reportagens: Argumentos a favor e contra o uso de animais em pesquisas científicas
Brasil vai validar métodos alternativos ao uso de animais em pesquisa
Artigo: Redução, Refinamento e Substituição do uso de animais em estudos toxicológicos: uma abordagem atual
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