domingo, 16 de novembro de 2014

Preservação da água e manutenção da vida

Sopa primordial, aproximadamente 4 bilhões de anos atrás. Descargas elétricas altíssimas vindas de raios, elevadas temperaturas devido a frequentes erupções vulcânicas, elementos químicos sendo despejados na superfície terrestre através dos alquimistas cósmicos, as estrelas. No líquido vital e primitivo, elementos simples se fundiram, moléculas foram formadas e se uniram dando origem a compostos orgânicos, como os aminoácidos, essenciais para a formação de ácidos nucleicos e proteínas. Todos esses componentes deram início a vida primitiva na presença de um ingrediente fundamental: a água. Se você não acredita nesta teoria e acha que a origem da vida dependeu de outros fatores, não precisa ir muito longe do seu cotidiano para saber que a água é muito importante para a sobrevivência humana. Não é só o fato de o corpo humano ser composto por 70% de água que fortalece essa premissa. Se você não concorda que somos organismos que viemos primordialmente da água, basta olhar para as suas atividades diárias e ver que sem água você não viveria. Até uma simples blusa necessita de litros d’água para ser fabricada. Talvez você diga que roupas não são essenciais para a sobrevivência, mas sabe que a alimentação é. Todo e qualquer alimento, seja ele orgânico ou industrializado, depende de água para ser fabricado. A nossa higiene depende da água. A comida que consumimos depende de água para ser plantada, transportada, lavada e cozida. A matéria-prima para a fabricação de diversos produtos que adquirimos necessita de água. Aliás, a água é insumo para uma infinidade de fabricados. A indústria precisa de água para a produção de mercadorias, até o pneu do seu carro depende da água para ser fabricado. E, mesmo assim, o que nota-se é um desperdício quase que generalizado. A pergunta que me atormenta é a seguinte: por quê? Por qual motivo jogamos fora tantos litros desse líquido vital todos os dias? Negligência? Hábitos cristalizados? O que faz com que tantos seres humanos, mesmo sabendo da importância de tal líquido para a sobrevivência, o desperdicem com tanta naturalidade?
 Não conheço outros países, mas não é preciso ir tão longe para observar o desperdício. O Brasil possui uma abundância preciosa de água e mesmo assim milhares de brasileiros fazem uso excessivo e indiscriminado do fluido. Será que tal abundância é o motivo da prática agressiva ao meio ambiente? Talvez seja. Tendemos a desvalorizar o que possuímos em excesso. Sabemos que, mesmo com a confusão governamental na questão do precário abastecimento de água, possuímos o líquido em quantidade suficiente para todos os habitantes do país. Porém, não escapamos da lógica de escassez futura. A seca no Sudeste que presenciamos seja pessoalmente ou via noticiários, por mais que seja decorrente de fenômenos meteorológicos incomuns, tem seu lugar na enorme lista de consequências da exploração indevida do solo e da degradação frequente do meio ambiente. O desmatamento da Amazônia pode ser apontado como uma das causas para a seca. A chuva que o Sudeste recebe é oriunda da umidade vinda da Floresta Amazônica. Sem árvores, sem umidade. Sem umidade, sem chuvas. Sem chuvas, sem abastecimento de represas. Sem o abastecimento, sem água nas casas. É um ciclo. E o ciclo hidrológico, por sua vez, com sua simetria quase perfeita, está sendo corrompido por ações humanas. A criação de gado é um dos motivos pelos quais a floresta é desmatada. Além disso, podemos citar o cultivo de soja e a ocupação populacional. A floresta que é considerada simbolicamente como o pulmão do mundo é, na verdade, o chuveiro que banha as regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil, ajudando a manter o nível dos reservatórios em condições favoráveis a habitação humana. Mesmo com todo esse potencial e relevância para a vida, está sendo destruída aos poucos.
                Mas não é só o desmatamento da Amazônia que prejudica o Sudeste atualmente e pode prejudicar futuramente. A derrubada de matas ciliares -árvores ribeirinhas que protegem os rios assim como os cílios protegem os olhos- contribui para a grave seca que a região enfrenta. Ora, as matas ciliares ajudam a evitar o assoreamento dos rios, além de contribuírem para a manutenção da umidade da região. Sem matas ciliares, os rios assoreiam e perdem gradualmente sua capacidade de armazenamento, e isso, é claro, afeta o cotidiano da população. Fugindo um pouco dos problemas humanos, não posso deixar de fazer a ressalva de que as matas ciliares possuem o papel de “corredores” para os animais silvestres, onde estes a utilizam para encontrar alimentos e acasalar. Portanto, além do papel protetor dos rios, as matas ciliares são fatores fundamentais para a conservação da biodiversidade. Voltando a questão da água, em São Paulo por exemplo, onde a crise hídrica foi mais agravante, temos o exemplo de matas ciliares devastadas por causa da construção de condomínios e áreas habitacionais do gênero. Além do problema de superlotação que a grande São Paulo enfrenta, o que força a busca por áreas mais afastadas das centrais, os interesses econômicos e especulativos dos empresários são relevantes causas para tal degradação do meio ambiente. Falta bom senso. Mas além disso, falta fiscalização governamental e políticas que atuem na preservação de tais locais, visto que os rios presentes neles são fundamentais para a vida nas cidades.
                Diante de tal cenário quase que devastador e do pesadelo de escassez futura, a solução mais viável para esse tipo de problema ambiental é o reflorestamento. É possível recuperar as matas ciliares de São Paulo, e também a floresta Amazônica, através do plantio de árvores. Isso demanda dinheiro, mas uma quantia insignificante diante do gasto futuro com caminhões-pipa ou multas nas contas de água. A solução é simples, mas precisa de tempo. Estima-se que em São Paulo demore no mínimo 100 anos –em condições mais pessimistas, 200 anos-  para que uma recuperação seja atingida. É um investimento de longo prazo, mas imprescindível para o bem da natureza e para os níveis de precipitação que tanto são importantes para a vida. Com o plantio de árvores, a umidade começa a voltar aos níveis normais e, consequentemente, as chuvas passam a ter a frequência natural em cada região.
O paradoxo começa a tomar forma quando nos direcionamos aos hábitos populacionais. Não adianta reflorestar as áreas devastadas e voltar os reservatórios aos níveis normais se a população não se conscientizar. No meu dia-a-dia vejo cenas que gostaria que fossem surreais, mas não são. Infelizmente, muitas pessoas ainda possuem a mentalidade do “vi no jornal, mas isso não chega até mim” ou “vou morrer logo, não preciso me preocupar com isso” ou “a água do mundo não vai acabar, olha a quantidade que existe nos oceanos”. Além da ignorância –imperdoável, pois a maioria possui veículos de mídia em casa e conhece a realidade-, é notável um egoísmo quase que intrínseco ao caráter humano. Não pensar nas próximas gerações é como querer a extinção da própria espécie. É uma forma de suicídio adiado. Além disso, considerar a água do mar como “potável” é no mínimo burrice. Não vou descartar a prática de dessalinização das águas oceânicas pois muitos países adotaram tal medida, mas é um método caro. E mais: se num futuro, talvez próximo, utilizarmos água do mar para atender nossas necessidades, vamos afetar ecossistemas marinhos e isso pode gerar um efeito “bola de neve” catastrófico. Imagine suprir oito bilhões de pessoas (no futuro esse número será bem maior) com água do mar! Diversos animais marinhos irão morrer e, possivelmente, algas também. Não posso deixar de citar que grande parte do oxigênio que respiramos provém das algas. Elas retiram gás carbônico da atmosfera para transformar em oxigênio, em um processo conhecido como fotossíntese. Com menos algas, menos oxigênio e mais gás carbônico, que é um gás estufa e esquenta a atmosfera terrestre. Ou seja, utilizar águas oceânicas seria o primeiro dominó derrubado de uma série de outros dominós enfileirados. Os indivíduos egoístas ou os que utilizam o argumento da dessalinização da água como solução precisam, mais do que nunca, mudar de conduta. E os que já são conscientes, precisam ser mais ainda.
                A maior dificuldade em escrever sobre a água e seu desperdício consiste no fato de que somos feitos dela e, portanto, estamos nos matando aos poucos. Mas essa dificuldade deve ser considerada como motivação para nos conscientizarmos e agirmos em prol de nossa sobrevivência. A verdade é que o planeta sobrevive muito bem sem a gente, mesmo com todos os estragos que andamos fazendo durante esses milhares de anos de exploração planetária, mas nós não vivemos sem ele. É por isso que devemos preservar enquanto temos nossos recursos. Somos água, viemos dela e dependemos dela. Acabar com ela é acabar com nós mesmos. Como Tales de Mileto, considerado o primeiro filósofo da história, dizia: “Tudo é água”. Tirando a ideia de universalidade em sua filosofia primordial e trazendo tal frase ao contexto atual, vemos que Tales não estava tão errado e que as coisas não mudaram muito do século VI a.C até os dias de hoje. Enquanto existir vida, a água sempre será tudo. E o papel dessa geração é resgatar o que foi perdido no passado e preservar o que existe no presente para que o futuro das gerações seguintes não seja repleto de guerras por água ou marque o fim prematuro da espécie humana.

Referências
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