Sopa primordial, aproximadamente
4 bilhões de anos atrás. Descargas elétricas altíssimas vindas de raios, elevadas
temperaturas devido a frequentes erupções vulcânicas, elementos químicos sendo
despejados na superfície terrestre através dos alquimistas cósmicos, as
estrelas. No líquido vital e primitivo, elementos simples se fundiram,
moléculas foram formadas e se uniram dando origem a compostos orgânicos, como
os aminoácidos, essenciais para a formação de ácidos nucleicos e proteínas. Todos
esses componentes deram início a vida primitiva na presença de um ingrediente
fundamental: a água. Se você não acredita nesta teoria e acha que a origem da
vida dependeu de outros fatores, não precisa ir muito longe do seu cotidiano
para saber que a água é muito importante para a sobrevivência humana. Não é só
o fato de o corpo humano ser composto por 70% de água que fortalece essa
premissa. Se você não concorda que somos organismos que viemos primordialmente
da água, basta olhar para as suas atividades diárias e ver que sem água você
não viveria. Até uma simples blusa necessita de litros d’água para ser
fabricada. Talvez você diga que roupas não são essenciais para a sobrevivência,
mas sabe que a alimentação é. Todo e qualquer alimento, seja ele orgânico ou
industrializado, depende de água para ser fabricado. A nossa higiene depende da
água. A comida que consumimos depende de água para ser plantada, transportada,
lavada e cozida. A matéria-prima para a fabricação de diversos produtos que
adquirimos necessita de água. Aliás, a água é insumo para uma infinidade de
fabricados. A indústria precisa de água para a produção de mercadorias, até o
pneu do seu carro depende da água para ser fabricado. E, mesmo assim, o que
nota-se é um desperdício quase que generalizado. A pergunta que me atormenta é
a seguinte: por quê? Por qual motivo jogamos fora tantos litros desse líquido
vital todos os dias? Negligência? Hábitos cristalizados? O que faz com que
tantos seres humanos, mesmo sabendo da importância de tal líquido para a
sobrevivência, o desperdicem com tanta naturalidade?
Não conheço outros países, mas não é preciso
ir tão longe para observar o desperdício. O Brasil possui uma abundância
preciosa de água e mesmo assim milhares de brasileiros fazem uso excessivo e
indiscriminado do fluido. Será que tal abundância é o motivo da prática
agressiva ao meio ambiente? Talvez seja. Tendemos a desvalorizar o que
possuímos em excesso. Sabemos que, mesmo com a confusão governamental na
questão do precário abastecimento de água, possuímos o líquido em quantidade suficiente
para todos os habitantes do país. Porém, não escapamos da lógica de escassez
futura. A seca no Sudeste que presenciamos seja pessoalmente ou via
noticiários, por mais que seja decorrente de fenômenos meteorológicos incomuns,
tem seu lugar na enorme lista de consequências da exploração indevida do solo e
da degradação frequente do meio ambiente. O desmatamento da Amazônia pode ser
apontado como uma das causas para a seca. A chuva que o Sudeste recebe é
oriunda da umidade vinda da Floresta Amazônica. Sem árvores, sem umidade. Sem
umidade, sem chuvas. Sem chuvas, sem abastecimento de represas. Sem o
abastecimento, sem água nas casas. É um ciclo. E o ciclo hidrológico, por sua
vez, com sua simetria quase perfeita, está sendo corrompido por ações humanas.
A criação de gado é um dos motivos pelos quais a floresta é desmatada. Além
disso, podemos citar o cultivo de soja e a ocupação populacional. A floresta
que é considerada simbolicamente como o pulmão do mundo é, na verdade, o
chuveiro que banha as regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil, ajudando a
manter o nível dos reservatórios em condições favoráveis a habitação humana. Mesmo
com todo esse potencial e relevância para a vida, está sendo destruída aos
poucos.
Mas não é só o desmatamento da
Amazônia que prejudica o Sudeste atualmente e pode prejudicar futuramente. A
derrubada de matas ciliares -árvores ribeirinhas que protegem os rios assim como
os cílios protegem os olhos- contribui para a grave seca que a região enfrenta.
Ora, as matas ciliares ajudam a evitar o assoreamento dos rios, além de contribuírem
para a manutenção da umidade da região. Sem matas ciliares, os rios assoreiam e
perdem gradualmente sua capacidade de armazenamento, e isso, é claro, afeta o
cotidiano da população. Fugindo um pouco dos problemas humanos, não posso
deixar de fazer a ressalva de que as matas ciliares possuem o papel de “corredores”
para os animais silvestres, onde estes a utilizam para encontrar alimentos e
acasalar. Portanto, além do papel protetor dos rios, as matas ciliares são
fatores fundamentais para a conservação da biodiversidade. Voltando a questão
da água, em São Paulo por exemplo, onde a crise hídrica foi mais agravante,
temos o exemplo de matas ciliares devastadas por causa da construção de
condomínios e áreas habitacionais do gênero. Além do problema de superlotação
que a grande São Paulo enfrenta, o que força a busca por áreas mais afastadas
das centrais, os interesses econômicos e especulativos dos empresários são relevantes
causas para tal degradação do meio ambiente. Falta bom senso. Mas além disso,
falta fiscalização governamental e políticas que atuem na preservação de tais
locais, visto que os rios presentes neles são fundamentais para a vida nas cidades.
Diante de tal cenário quase que
devastador e do pesadelo de escassez futura, a solução mais viável para esse
tipo de problema ambiental é o reflorestamento. É possível recuperar as matas
ciliares de São Paulo, e também a floresta Amazônica, através do plantio de
árvores. Isso demanda dinheiro, mas uma quantia insignificante diante do gasto
futuro com caminhões-pipa ou multas nas contas de água. A solução é simples,
mas precisa de tempo. Estima-se que em São Paulo demore no mínimo 100 anos –em
condições mais pessimistas, 200 anos- para que uma recuperação seja atingida. É um
investimento de longo prazo, mas imprescindível para o bem da natureza e para
os níveis de precipitação que tanto são importantes para a vida. Com o plantio
de árvores, a umidade começa a voltar aos níveis normais e, consequentemente, as
chuvas passam a ter a frequência natural em cada região.
O paradoxo começa a tomar forma
quando nos direcionamos aos hábitos populacionais. Não adianta reflorestar as
áreas devastadas e voltar os reservatórios aos níveis normais se a população
não se conscientizar. No meu dia-a-dia vejo cenas que gostaria que fossem
surreais, mas não são. Infelizmente, muitas pessoas ainda possuem a mentalidade
do “vi no jornal, mas isso não chega até mim” ou “vou morrer logo, não preciso
me preocupar com isso” ou “a água do mundo não vai acabar, olha a quantidade
que existe nos oceanos”. Além da ignorância –imperdoável, pois a maioria possui
veículos de mídia em casa e conhece a realidade-, é notável um egoísmo quase
que intrínseco ao caráter humano. Não pensar nas próximas gerações é como
querer a extinção da própria espécie. É uma forma de suicídio adiado. Além
disso, considerar a água do mar como “potável” é no mínimo burrice. Não vou
descartar a prática de dessalinização das águas oceânicas pois muitos países
adotaram tal medida, mas é um método caro. E mais: se num futuro, talvez
próximo, utilizarmos água do mar para atender nossas necessidades, vamos afetar
ecossistemas marinhos e isso pode gerar um efeito “bola de neve” catastrófico.
Imagine suprir oito bilhões de pessoas (no futuro esse número será bem maior)
com água do mar! Diversos animais marinhos irão morrer e, possivelmente, algas
também. Não posso deixar de citar que grande parte do oxigênio que respiramos
provém das algas. Elas retiram gás carbônico da atmosfera para transformar em
oxigênio, em um processo conhecido como fotossíntese. Com menos algas, menos
oxigênio e mais gás carbônico, que é um gás estufa e esquenta a atmosfera
terrestre. Ou seja, utilizar águas oceânicas seria o primeiro dominó derrubado
de uma série de outros dominós enfileirados. Os indivíduos egoístas ou os que
utilizam o argumento da dessalinização da água como solução precisam, mais do
que nunca, mudar de conduta. E os que já são conscientes, precisam ser mais
ainda.
A maior dificuldade em escrever sobre
a água e seu desperdício consiste no fato de que somos feitos dela e, portanto,
estamos nos matando aos poucos. Mas essa dificuldade deve ser considerada como
motivação para nos conscientizarmos e agirmos em prol de nossa sobrevivência. A
verdade é que o planeta sobrevive muito bem sem a gente, mesmo com todos os
estragos que andamos fazendo durante esses milhares de anos de exploração
planetária, mas nós não vivemos sem ele. É por isso que devemos preservar
enquanto temos nossos recursos. Somos água, viemos dela e dependemos dela.
Acabar com ela é acabar com nós mesmos. Como Tales de Mileto, considerado o
primeiro filósofo da história, dizia: “Tudo é água”. Tirando a ideia de
universalidade em sua filosofia primordial e trazendo tal frase ao contexto
atual, vemos que Tales não estava tão errado e que as coisas não mudaram muito
do século VI a.C até os dias de hoje. Enquanto existir vida, a água sempre será
tudo. E o papel dessa geração é resgatar o que foi perdido no passado e
preservar o que existe no presente para que o futuro das gerações seguintes não
seja repleto de guerras por água ou marque o fim prematuro da espécie humana.
Referências
Reportagens:
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